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Atrofia Muscular Espinhal em crianças e a nova descoberta que pode transformar vidas

Atrofia Muscular Espinhal em crianças
A Atrofia Muscular Espinhal em crianças, especialmente nas formas graves, foi durante anos um cenário sem muitas esperanças. Foto divulgação.

A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma doença genética rara, progressiva e grave, que afeta os neurônios motores responsáveis por funções vitais como respirar, engolir e movimentar os membros. Em crianças pequenas, sobretudo nos tipos mais graves da doença, a perspectiva até poucos anos atrás era sombria. Hoje, com o avanço da ciência e a incorporação de terapias inovadoras no sistema público brasileiro, abre‑se uma nova era de esperança para famílias e profissionais de saúde.

O que é a AME e por que ela é tão crítica

A AME decorre da deficiência ou ausência da proteína SMN (Survival Motor Neuron) causada por mutações no gene SMN1. Essa falha leva à morte progressiva dos neurônios motores na medula espinhal e tronco cerebral, comprometendo a transmissão de sinais aos músculos esqueléticos. Sem esses impulsos, ocorre fraqueza muscular, atrofia, e quando a doença se manifesta em bebês — como no tipo 1 — o impacto é rapidíssimo.

Clinicamente, a AME é classificada em diferentes tipos (1, 2, 3 e 4) conforme a idade de início e o nível máximo de função motora alcançado. A forma tipo 1, que se inicia ainda nos primeiros meses de vida, é a mais severa, e sem tratamento leva a falências respiratórias e morte precoce. As formas tipo 2 e 3 são mais lentas, mas ainda implicam em limitações motoras importantes e necessidade de suporte interdisciplinar.

A nova fronteira do tratamento: terapia gênica e acesso no sistema público

Até pouco tempo, o tratamento da AME se baseava essencialmente em suporte — fisioterapia, nutrição, aparelhos para respirar — e em medicamentos que já retardavam a progressão, mas não revertiam a causa. Hoje, a grande novidade é a incorporação de uma terapia gênica de dose única, capaz de modificar a história natural da doença nos pacientes elegíveis.

No Brasil, o Zolgensma (onasemnogene abeparvovec) passou a ser oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de 2025 para crianças com AME tipo 1, com até seis meses de idade e que não dependam de ventilação mecânica invasiva por mais de 16 horas por dia. O medicamento, considerado um dos mais caros do mundo — com valor médio de R$ 7 milhões por dose — foi viabilizado por meio de um modelo de acordo de “compartilhamento de risco” entre governo e fabricante. Com isso, o Brasil tornou‑se um dos poucos países a oferecer esse tipo de tratamento em rede pública.

Além disso, o SUS já oferecia terapias contínuas como nusinersena e risdiplam, que também representaram avanços importantes. A chegada da terapia gênica, entretanto, significa que a causa genética da AME passa a ser alvo direto da intervenção, abrindo possibilidade real de ganhos motores importantes nas crianças tratadas precocemente.

Por que o momento é decisivo

O impacto dessa descoberta é profundo. Para crianças que antes estavam destinadas a perder habilidades motoras, depender de ventilador ou não chegar à adolescência, surge agora a perspectiva de sentar, andar, viver com mais autonomia. Estudos internacionais já mostraram que a terapia gênica em crianças muito jovens pode levar ao desaceleramento da doença — ou até a níveis próximos do esperado para aquela idade.

O Brasil enfrenta, no entanto, o desafio da abrangência: habilitar hospitais em todas as regiões, garantir teste rápido para diagnóstico, acompanhar essas crianças por muitos anos e viabilizar recursos para o tratamento e monitoramento. A participação dos estados, municípios, da comunidade médica e das famílias torna‑se vital para ampliar o acesso.

Diagnóstico precoce e tratamento como chave

Uma condição como a AME exige diagnóstico muito precoce. Quanto antes o tratamento for iniciado, maior a chance de sucesso. Logo, o teste de triagem neonatal, o reconhecimento de sinais como hipotonia, fraqueza grave, reflexos ausentes, dificuldade para engolir ou sustentar a cabeça, deve conduzir à investigação imediata. Em crianças com AME tipo 1, cada dia conta.

Após o diagnóstico, a avaliação médica define a elegibilidade para a terapia gênica (idade, tipo da AME, ventilação). O acompanhamento é contínuo, com equipes multidisciplinares que incluem neurologistas, fisiatras, fonoaudiólogos, nutricionistas e terapeutas ocupacionais. Mesmo após a infusão da terapia, há necessidade de monitoramento regular por anos, pois a longevidade desse tratamento ainda requer dados de longo prazo.

Limitações, ensinamentos e expectativas para o futuro

Embora a chegada da terapia seja um marco, não é uma solução mágica. Para muitas crianças fora dos critérios de elegibilidade — por idade ou tipo da AME — continuam valendo as terapias mais antigas. O custo elevado, a necessidade de infraestrutura, a logística de habilitação de centros e o acompanhamento prolongado são desafios reais.

No entanto, o Brasil dá um passo relevante ao reconhecer que doenças raras e terapias de alta complexidade também fazem parte do sistema público de saúde. O tratamento da AME se transforma em paradigma de como a ciência, saúde pública e sociedade podem convergir para dar esperança onde antes havia tragédia.

Conclusão

A Atrofia Muscular Espinhal em crianças, especialmente nas formas graves, foi durante anos um cenário sem muitas esperanças. Hoje, com o acesso à terapia gênica de dose única no SUS e com políticas públicas que apoiam diagnóstico precoce e tratamento eficaz, abre‑se uma janela de oportunidade histórica para milhares de famílias.

O que antes se limitava a suporte e mitigação passa agora a poder oferecer ganhos reais de motricidade, qualidade de vida e integração social. Agora é tempo de consolidar essa conquista: garantir acesso equitativo, garantir que os hospitais de todas as regiões estejam prontos, aumentar a cobertura de testes e fortalecer a rede de reabilitação. A nova descoberta não resolve tudo sozinha — mas abre caminho para um futuro muito diferente do que se tinha antes.

 

 

 

 

Fontes


 

 

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